Os Peregrinos

O caminho não é novo... O novo está em nós, no nosso jeito de caminhar!

Coisas de macho!!!

– João, é verdade que tu é heterossexual?
– Deixa disso, ómi... Eu sou é macho!!!
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– Por que piada de loira é curtinha?
– É pras morenas entenderem...
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Pois é... O assunto virou piada, mas não tem graça. Um dos piores problemas levantados nas discussões de gênero é a discriminação. E mesmo as pessoas mais esclarecidas não conseguem se livrar totalmente da bagagem machista, herdada quiçá genética ou convenientemente.

Cientes de estarmos num grupo privilegiado, mas ainda assim discriminado – o dos homens que querem discutir Gênero – iniciamos em São Leopoldo/RS, numa quinta-feira (29/Ago/2007), via CEBI-RS (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos), os encontros sobre Bíblia e Masculinidades.

É um grupo bem reduzido – 9 homens. Estamos, nesta fase inicial, olhando o que já foi construído pelas mulheres e pelos homossexuais. Constatamos que elas e eles já avançaram muito. E, por isso, pegamos uma carona nessas reflexões para, a partir daí, começarmos a construir conceitos de masculinidades.

Mas nem só das discussões femininas e homossexuais se vive um grupo de homens. Esboçando algumas discussões sobre o nosso gênero, vimos que o termo mais apropriado para o nosso estudo é exatamente “masculinidades” (no plural), pois há diversas experiências, diversos modelos, diferentes atitudes que tornam inviável classificar o universo masculino dentro de um único grupo.

Exemplo disso são as nossas próprias experiências particulares. No dia-a-dia sentimos a existência de um comportamento imposto, que manda ainda as mulheres para a cozinha e é pra lá de homofóbico (como o presidente da federação pernambucana de futebol, que considerou “muito carinhosa” a atitude do dirigente são-paulino que abraçou um jogador corintiano). Essa mesma linha de pensamento diminui, ridiculariza homens como nós, que questionam, hoje e desde sempre, esses “padrões”.

Alguns de nós, por exemplo, são casados. Entre eles, há os que contribuem menos com os rendimentos da casa do que suas esposas. Perante os próprios parentes, esses homens sentem o peso do discurso dominante. São os pais e irmãos os primeiros a cobrar que eles assumam “seu” papel(?) de provedor. Afinal de contas... “É uma vergonha um homem ser sustentado pela mulher”.

Foi, inclusive, sugestão de um dos casados, sentindo o peso dessa suposta “humilhação” que querem nos impor nossos parentes e amigos, que iniciássemos nossos estudos lendo Jó. Constatamos que Jó encarna perfeitamente o papel do homem que supostamente fracassa – e, por isso, tem de ouvir o escárnio dos “amigos” – mas cuja vida acaba denunciando um sistema estereotipado e excludente, onde ser autêntico não tem vez.

Bom... Enfim... O ano está praticamente encerrado e muita coisa vai ficar para o ano que vem. Mas já colocamos o pé na estrada. Só o fato de perceber que, além de homens e mulheres machistas, mulheres e homossexuais conscientizados e algumas mulheres feministas (em sentido pejorativo: aquelas que querem que os homens também sejam mulheres), existe ainda um “grupo de Jó”, do qual fazemos parte. Um grupo que questiona o machismo, o patriarcalismo; e defende um mundo onde se construam relações igualitárias, ainda que estejamos descobrindo às apalpadelas o que isso quer dizer.

“Onde há ódio, que eu leve o amor...
À ofensa, o perdão... às trevas, a luz!”
“E é morrendo que se vive para a vida eterna!”

(Seu Chico)

Ah, Chicão... Precisamos te redescobrir, Chicão! Hoje eu, franciscaníssimo que sou, queria muito homenagear seus feitos e seus ensinamentos... Mas não consigo viver num mundo paralelo!

Explico-te, oh Poverello! É que andaram acontecendo algumas coisas lá na minha comunidade...

Ah... Então não sabes??? Pois vou te explicar!!!

Olha o post anterior... Tens lá uma carta! Ela foi lida na despedida de um padre da nossa comunidade, durante a missa de 29-Set-07.

Explicando...
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Adalberto é padre da Fraternidade Palavra e Missão – Não, não... Acho que não tem muito a ver com a tua definição de Fraternidade; mas também é algo parecido com uma Ordem religiosa.

É um sujeito muito simples, filho do interior, homem pacato... Ao contrário do atual presidente da comunidade (pasme, Chicão... ainda existe este modelo de organização nas nossas igrejas).

Bom... Ao contrário agora!!! Pois, antes de ser presidente, o distinto cidadão era muito parecido com o Adalberto.

O padre não se metia nos assuntos administrativos da comunidade. Talvez aí estivesse o seu erro... Mas não é justamente um padre mais “Pastor” que vivemos reclamando?

Ao presidente não bastava ter liberdade para agir. Ele precisava mostrar quem manda...

Aí começaram as perseguições, as restrições, as proibições... E o padre recuando...

Até que foi necessário o Fraterno Geral (líder e fundador da Fraternidade) intervir. Sua ação foi bem simples... Recolheu seu padre, levantou acampamento e partiu.

Tá certo que houve alguma negociação com o Bispo... Mas – creio eu – não era hora de exigências, de nenhum dos lados.

E aí ficamos nós, nas mãos da Paróquia – que é diocesana – outra vez.

Não que seja lá muito ruim... Mas é que são trabalhos bem distintos! Nossa Diocese é bem romana (nada contra nossa querida Itália, Francisco... tu também tiveste problemas com o pensamento romano, não é!?!).

Bom... em contrapartida, a proposta da Fraternidade é bem mais popular. Como somos um bairro de periferia... Conheces a periferia, não é!?! Não vieste de lá, mas aos pobres escolheste como família e, portanto, lá te tornaste santo e lá morreste.

Não tínhamos formações populares, antes da Fraternidade chegar. Nenhuma manifestação do povo seria possível de se imaginar, quando quem nos guiava era um diocesano.

Uma participante, liderança ativa, confessou que teria simplesmente abandonado tudo, se fosse outra época. Mas que a Fraternidade – e principalmente a Escola da Palavra (estudo bíblico popular) – fizeram-na rever suas atitudes.

Tu também quiseste ser santo a partir de uma leitura popular da Bíblia, não é, Chicão!?! Lembra??? “Alla lettera...”

Tudo muito bom, tudo muito bem... Mas realmente... Embora tenhamos feito uma pequena experiência de comunidade, quando nos reunimos para manifestar nosso desagrado com a partida do padre Adalberto, o certo é que ainda somos grupos isolados e, não, uma comunidade.

Colocamos a culpa toda no presidente, como se a nossa omissão e a nossa desarticulação não tivessem também lá sua parcela de responsabilidade.

Como na Bíblia, onde as mais fortes experiências de Deus estão vinculadas ao sofrimento (êxodo, exílio, crucificação, martírio...), parece que hoje também precisamos sofrer para dar/ter valor, para fazer os valores do Reino acontecerem.

Aliás... Lembro-me que contigo aconteceu algo semelhante... Foi só quando beijaste um leproso que realmente te tornaste o “Pobrezinho de Assis”, não!?!

Que possamos, pelo menos daqui para frente, ser verdadeira comunidade, unidos, compromissados, atuantes... As experiências bíblicas, há pouco citadas, mudaram o comportamento e a cultura de povos e nações. Por que agora precisa ser diferente?

Quem sabe, como primeiro passo, em vez de uma diretoria, não montamos um Conselho Pastoral? Aí as decisões serão sempre de todos e ninguém mais poderá se eximir das responsabilidades.

E não é só pra ter culpados que o Conselho serve. Trata-se de um belo exercício de democracia e é um meio muito eficaz de colocar em prática as orientações do Concílio Vaticano II, voltadas para a participação do leigo na Igreja.
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Que achaste, Francisco??? Concordas???

Bom... Fica a dica... E agora vamos à carta!

Eu a escrevi, com grande colaboração da Babi e aprovação de toda a comunidade, que a subscreveu (a carta; não a Babi, hehehehe...).

Segue abaixo... Boa leitura!!!

São Leopoldo/RS, 29 de setembro de 2007.


Ao Padre Adalberto
e a todos os que querem o bem de nossa comunidade,
pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo
e pela intercessão de Nossa Senhora das Graças,
Paz & Bem!!!


Ainda com um nó em nossas gargantas, recordamo-nos do dia 15 último, quando nos comunicaste, Pe. Adalberto, a decisão da Fraternidade Palavra e Missão, em comunhão com Dom Zeno, de que esta comunidade voltará às mãos de um padre diocesano.

O problema não é quem chega! Afinal, todo padre é um vocacionado, um enviado de Deus. O que nos entristece são os motivos pelos quais estão te tirando daqui.

Sabemos que o teu jeito simples, humilde e até -- desculpe-me dizer -- meio atrapalhado, foi confundido com fraqueza. Dói confessar, como membro desta comunidade, que houve quem se aproveitou de tua aparente "fraqueza" para, em vez de agir com misericórdia, tripudiar. Sede de poder??? Quem sabe...

Mas eu pergunto: Onde está a fraqueza de um filho do interior, que preza a família, os amigos e as pessoas muito antes de tijolos, lajotas e paredes rebocadas?

Aprendemos a gostar de ti, do teu jeito desengonçado. Aprendemos que as roupas sociais e a fisionomia séria escondem um gurizão, um irmão, um verdadeiro fraterno, de mente, peito, braços e coração abertos.

Aprendemos, principalmente, que gostas mais de ser um companheiro do que um administrador; que és como Cristo, quando disse aos Apóstolos que deixassem os pequeninos virem até Ele; e isso foi o que encantou a maioria de nós.

Quantos aqui são gratos porque estivemos doentes e foste nos visitar, estivemos tristes e foste nos consolar, estivemos carentes e nos deste atenção...

Entretanto, nem um ano completaste entre nós e já vais embora... Ficamos muito, muito tristes com isso.

Queríamos ir contigo; mudar-nos para Porto Alegre... Mas não iremos!!! Este é o nosso chão; esta é a nossa comunidade. Se a fraternidade -- tua esposa, como tu mesmo nos disseste -- sentisse o mesmo, não arredaria o pé também.

Mas não queremos condená-la! Temos só o que agradecer!!! A ti, ao Padre Stoffel, ao Edmilson, à Irmã Nazaré... E às Irmãs do CCI, cujo trabalho dedicado aos pequeninos de Deus é incansável. Lamentamos apenas que esse trabalho as deixe tão ausentes do dia-a-dia da comunidade.

Não, Pe. Adalberto!!! Não vamos contigo!!! Vamos ficar aqui, mergulhados em incertezas, mas cientes de que toda crise gera uma oportunidade de crescimento.

E olha só o que já aprendemos com os acontecimentos: Dia 15, mesmo dia em que nos deste a triste notícia, quase toda a comunidade se manifestou, pedindo a tua permanência, aplaudindo-te de pé.

Digo "quase toda" porque, sabemos muito bem, dois ou três não te querem por perto.

Ora... Dois ou três, numa assembléia onde estavam mais de cem pessoas; o que esse número representa? E, no entanto, a vontade desses dois ou três é que foi feita. Não está claro, para nós, que somos muitos, mas não somos ainda uma autêntica comunidade de fé?

Numa autêntica comunidade de fé, há unidade, há compromisso, há organização. Desunidos, desorganizados, descompromissados, não passamos de massa de manobra. É isso que queremos? É isso, Comunidade Divino Espírito Santo?

Também nós, que queremos tua permanência, Pe. Adalberto, temos culpa pela tua saída. Nada fizemos, enquanto podíamos. Nosso egoísmo nos isolou.

Somos tão individualistas que hoje esta comunidade não tem nenhuma pastoral forte.

Tinha grupo de jovens, mas acabou. Tinha a Cáritas, mas hoje está praticamente terminada. Tinha Pastoral do Dízimo, mas não tem mais. Não se ouve mais falar em ECC, grupos de família, grupo de mulheres... Não temos nem ministros e coroinhas suficientes para as celebrações. Aliás, quantos ministros visitam os nossos doentes?

Pra falar a verdade, a única coisa que funciona é a catequese e o Grupo de Oração... E olhe lá!!! Porque nem todos os catequistas e carismáticos encontramos nas missas.

E agora queremos condenar dois ou três, cuja motivação até entendemos. Não concordamos... Mas entendemos: eles caíram em tentação; e nós, na omissão.

Em Judá, o Templo foi destruído duas vezes. E ainda assim os judeus não entenderam que as pessoas são mais importantes do que a Lei.

E aqui??? Quantas vezes precisaremos destruir este Templo de tijolos para entender isso? Somos cristãos... Já deveríamos saber de antemão que para Cristo o que importa é a vida, são as pessoas; e tijolos não têm vida, não são pessoas.

Bom... Mas chega de "mea culpa"! Tenho certeza de que todos já entendemos que há algo a aprender nessa história toda, não!?!

Boa sorte em Porto Alegre, Pe. Adalberto. Nossas casas estão abertas para tuas visitas. Esperamos que sejam freqüentes, pois temos em ti um irmão.

Ass.: Comunidade Divino Espírito Santo.