Os Peregrinos

O caminho não é novo... O novo está em nós, no nosso jeito de caminhar!

Memórias de uma Feira

E viva a cultura brasileira!!! Na segunda quinzena de outubro, representei o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) na 23ª Feira do Livro de São Leopoldo/RS. Foram 5 dias de uma experiência muito rica e, ao mesmo tempo, inquietante, da qual faço um breve relato agora.

Minha expectativa, ao chegar, era vender pouco e gastar muito, mas muito português para tornar o CEBI conhecido ao público leigo. De alguma forma, foi isso mesmo que aconteceu. As vendas não foram tão ruins assim, mas a maioria dos visitantes desconhecia o CEBI. Muitos passavam pela banca e, lendo a palavra “Bíblia”, torciam o nariz, sem a menor cerimônia. Outros nem chegavam perto, porque deveria ser alguma propaganda dos católicos (o livro “Rio e Povo” era um dos primeiros, mostrando Dom Cappio de braços bem abertos).

Outros iam além!!! Distribuí uma quantidade enorme de malas-diretas, todas com um “ecumenismo” escrito bem grande na capa. A mão de algumas pessoas parecia pegar fogo quando liam esta palavra e elas rapidamente soltavam o papel, ou me devolviam com alguns desaforos, ou comentários ríspidos.

Uma senhora, por exemplo, chegou à banca e disse: “Agora sim, uma banca que valha a pena!” Comecei logo a falar, apresentei o CEBI e os livros que ela ia olhando. De repente, sem mais nem menos, ela me olhou enfezada, disse: “Eu já conheço a Bíblia!”; deu-me as costas e saiu.

Outro senhor veio todo sorridente, quando viu a logo da Sinodal em alguns livros. Começamos a conversar, mas quando eu falei em ecumenismo, ele me deixou falando sozinho.

Alguns, mais simpáticos, queriam discutir o tema. Aí surgiam várias cenas pitorescas: um senhor queria saber se “esse lance de ecumenismo” tinha a ver com o Paiva Netto; um jovem dizia que se convertera à Igreja Batista, mas acreditava nos santos (de uma forma diferente, segundo ele; nem me atrevi a pedir que explicasse) e nunca deixara o espiritismo totalmente de lado, pois alguns espíritos sempre o orientavam sobre como se comportar na nova fé; outro rapaz queria livros de R. R. Soares...

Teve um que me pediu o livro “Milionários na Bíblia”. Eu disse que sobre milionários não tínhamos muita coisa, mas eu poderia lhe apresentar alguns livros sobre os pobres na Bíblia. Parece-me que ele não gostou muito...

Em geral, os que defendiam o ecumenismo não participavam de nenhuma denominação específica. Mostravam desconforto com as instituições, principalmente a católica (a maioria vinha de uma experiência frustrada neste meio). Diziam que era tudo a mesma coisa, que Deus é um só, e todas aquelas coisas que sempre ouvimos quando tentamos explicar que bicho é esse de “economismo”.

Lembrei-me de mais uma senhora, também defensora do ecumenismo, que dizia não ter necessidade de ler a Bíblia. Ela também não pertencia a nenhuma religião, pois recebia revelações do próprio Cristo. Complexo de inferioridade, talvez... Mas como as pessoas confundem as coisas, não!?!

Por sorte, nem só de cenas pitorescas vive uma feira. No primeiro dia, um jovem se aproximou do livro “Por que Sofrer?” e ficou encantado, pois este subsídio iria ajudá-lo muito em uma pesquisa da Faculdade. Ele faz Filosofia na UFRGS e tem a missão de explanar o tema “Sofrimento”, traçando um paralelo entre Nietzsche e o Cristianismo. O livro irá ajudá-lo com as reflexões bíblicas, coisa que ele procurava, procurava, mas não encontrava; e acabou encontrando na feira, em nossa banca.

Mais uma cena positiva: um professor procurava subsídios sobre Negritude para uma pesquisa, também da Faculdade (Unisinos). Ele tinha que desenvolver pesquisas para uma cadeira que está sendo criada sobre o tema, uma vez que tanto se está discutindo a questão de cotas nas Universidades. Levou três livros.

Outro que se aproximou da banca foi um Pastor da Assembléia de Deus. Ele procurava algo para “enriquecer seus sermões”. Levou um livro sobre os profetas e outro sobre Paulo.

Ao final da feira, muito cansaço e uma preocupação: Como estamos divulgando o ecumenismo em nossas bases? E quem nossas bases atingem? Incentivamos a leitura popular da Bíblia, mas o povão ainda não nos conhece. Eu sei que alguém vai me fazer esta pergunta: “Precisamos ser conhecidos?” Em tom de brincadeira eu sempre respondo: “Creio que sim, mas acho que não!” Em todo caso, creio que é um grande desafio tornarmos a leitura popular da Bíblia mais conhecida e, principalmente, vivenciada, experimentada. Afinal, foi isso que o CEBI pensou, quando me pediu para estar lá na feira, não!?!

Bíblia e Juventude

Já faz mais de 15 anos que ingressei em meu primeiro grupo de base, um grupo de adolescente em Presidente Prudente/SP. Desde lá ouço dizer que os jovens se tornaram prioridade na Igreja, principalmente depois de um tal de Puebla.

Bem é verdade que, de lá pra cá, conquistou-se muitas coisas. Mas os jovens ainda reclamam que estão de lado.

Há uns 5 anos, a CNBB já dizia: “Agora sim! A prioridade nº 1 (a CNBB sempre elege 5 prioridades) serão os jovens!” Basta olhar os temas da Campanha da Fraternidade pra ver se o propósito se cumpriu.

Acostumados a essas promessas que não se cumprem nas bases, os jovens de minha geração se habituaram a agir por conta própria. Até que nos viramos bem, sozinhos. Mas hoje alguns de nós reconhecem -- eu entre eles -- que era necessário um mínimo de valorização e acompanhamento.

Por exemplo, diante do assunto Bíblia e Juventude. Em quantas reuniões usamos os textos fora de seu contexto. Queríamos utilizá-los para iluminar nossas reflexões, mas acabávamos dando-lhes sentidos até opostos ao que eles queriam realmente dizer.

Para falar a verdade, em todos os segmentos da Igreja há uma grande dificuldade em interpretar os textos bíblicos. E o que é pior... Assume-se esta limitação, mas convive-se muito bem com ela.

Participo do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos). Embora Bíblia não seja o problema -- e sim a especialidade -- da casa, há uma lacuna aí. Publica-se muita coisa sobre gênero, cidadania, negritude, trabalho... Mas nada que contemple os jovens.

Ainda bem que esta questão está vindo à tona. Já a discutimos em nossas Assembléias estaduais e regionais. Agora vem chegando a Assembléia Nacional e certamente tomaremos uma posição, que espero finalmente nos seja favorável.

Mas isso precisa chegar à Igreja como um todo. Principalmente à Igreja popular, aquela que se põe a serviço de todos, especialmente dos mais necessitados.

Essa Igreja, parturiente das CEB’s, sabe que estas têm como um de seus pilares a leitura popular da Bíblia. Mas não é o que se vê, na prática. Os jovens ainda encontram enormes dificuldades em interpretar os textos.

E os padres e liturgistas aceitam isso numa boa. O importante é que eles -- os jovens -- encenem os evangelhos, nas missas. Não precisa interpretar os textos: Basta o efeito visual que o teatro proporciona.

Entender os textos? Não... Deixa isso pro padre! Não é ele o responsável pela homilia?

Mas afinal... Contemplando a educação popular, como é possível aproximar Juventude e Bíblia? É necessário dizer aos jovens o que fazer, ou construir com eles uma visão jovem da Bíblia?

O texto fundamental da metodologia cebiana é Lc 24,13-35 (caminho de Emaús). Pois bem...

De acordo com o texto, a pedagogia de Jesus é a mais simples e a mais eficaz possível. Primeiro, ele se põe do (e não “de”) lado, caminha com os discípulos. Pergunta-lhes o que está acontecendo, demonstra interesse pelos seus problemas, quer gerar um clima de cumplicidade. Depois (e somente depois) disso, Ele repassa as escrituras, iluminando a vida daquelas pessoas. Faz com que vejam o que estava diante de seus olhos e eles não enxergavam. Não fala de coisas desconhecidas, mostra que sabe do que está falando, mas que sabe principalmente COM QUEM está falando. Por fim, senta-se à mesa com eles, parte o pão e finalmente é reconhecido. Relembrando os gestos e palavras do Mestre, mas principalmente SE IDENTIFICANDO com o Projeto dele, os discípulos tomam uma atitude: voltam para a zona de conflito (Jerusalém) e encaram o problema de frente.

A reflexão foi rápida e bem sintética. Entretanto, fiz questão de lembrar esta passagem para mostrar que, pelo menos quando o assunto é Juventude(s), somos tentados a ir direto para a partilha. Isso talvez se deva ao fato de já termos feito tantas vezes este processo: com negros/as, mulheres, homossexuais, lavradores/as, operários/as... Mas é preciso fazer novamente! Esse público, sem sombra de dúvida, é diferente dos anteriores.

É necessário um olhar jovem sobre a Bíblia! Desculpem se for ofensivo o que vou dizer, mas vocês não acham leviano demais deixar de lado a parcela preferida da mídia e do mercado? Aliás, já se perguntaram por que o mundo do consumo é voltado para aqueles que teoricamente seriam os filhos e filhas dos donos das carteiras de dinheiro?

O shopping é ponto de encontro dos jovens, possuindo lojas de surfe, calçados e roupas transadas. A moda se preocupa em vestir o padrão de beleza, essencialmente jovem. Os modelos de eletroeletrônicos e automóveis estão cada vez mais joviais. Celulares e Internet desenvolvem tecnologias e jogos voltados para o público jovem. No rádio, as FM só tocam músicas para jovens. Na TV, até as novelas, auto-denominadas “distração para toda a família”, agora estão voltadas para os jovens.

O que isso quer dizer? Será que o Mercado utiliza a mesma linguagem para jovens e adultos? Ou será que os jovens compõem a maioria consumidora do planeta e, por isso, as atenções estão voltadas para eles?

Ainda mais... Se incluirmos aí o universo político, lembrando-nos que este ano é de eleições, veremos não só a quantidade de candidatos jovens -- mostrando uma tendência -- mas o quanto os partidos e candidatos também disputam acirradamente esta parcela da população.

Um exemplo: houve comício em meu bairro, recentemente. Uma baita estrutura, um palco bem localizado e um som de primeira. O comício só foi à noite, mas o dia inteiro ficou tocando um som, para distrair e atrair o público. Vocês conseguem adivinhar os estilos musicais? Pois eu vou dizer: Funk e Eletronic Music. Na opinião de vocês, isso atraiu qual público?

Olhando atentamente, percebemos que o marketing traz uma linguagem jovem, o mesmo não acontecendo com o pensamento, a ideologia por detrás, que é maquiada, sem deixar de ser manipuladora. Entretanto, como diria um amigo meu, “funciona horrores”. Nós, por outro lado, pretendemos fazer educação popular, mas utilizamos sempre a mesma linguagem, independente do público. Como diria uma comediante nada engraçada: “Isso não pode!”

Que tal, então, repensar a linguagem, mantendo o que a educação popular traz de melhor, a saber: a construção coletiva do pensamento? Mais do que uma linguagem jovem, proporcionar uma visão jovem da Bíblia, construída pelos próprios jovens, de posse de ferramentas adequadas?

Fico por aqui, esperando ansiosamente que esse meu questionamento -- e outros que ele possa inspirar --, provoque ótimas novidades para esta Juventude, que eu amo e acompanho desde os tempos de pejoteiro. E pra você? Agora é o momento, ou ainda devemos esperar?