Os Peregrinos

O caminho não é novo... O novo está em nós, no nosso jeito de caminhar!

BANCOS PREFERENCIAIS: PRA QUÊ?

Estou saindo para Rio Grande/RS, fazer mais uma de minhas assessorias. Meu trabalho é promover a leitura bíblica popular. São 06:30h de um sábado. Sigo de trem até a rodoviária de Porto Alegre/RS. Entre uma estação e outra, cenas comuns. Uma delas, porém, me chama a atenção. Um idoso pede à mulher que o deixe se sentar. Ela não cede. Outro passageiro lhe sugere ocupar um assento vago. Depois que ele se acomoda, a senhora se percebe num banco preferencial. Ela pede desculpas e afirma que dará o lugar ao próximo idoso, gestante ou pessoa com deficiência que entrar no trem.

Um final aparentemente feliz. Entretanto, o desfecho me incomodou. As leis foram feitas para facilitar o convívio em sociedade, mas o modo como são aplicadas acaba bitolando as cidadãs e cidadãos deste país. Ninguém se pergunta por que existem bancos preferenciais. As pessoas se habituam a cumprir as regras, não porque as entendem, ou as consideram justas, mas por medo de serem punidas.
Numa sociedade que se diz cristã, se os valores fossem, de fato, cristãos, todos os bancos, filas e caixas seriam preferenciais. Alega-se que os idosos conquistaram este direito pelos serviços prestados à comunidade. Mas, mesmo que nada tivessem feito, possuem menos resistência física que jovens e adultos. Por mais fortes que aparentem ser, cansam-se bem mais rápido. Vendo o descaso com as velhinhas e velhinhos, dá vontade de gritar: cadê a solidariedade com a próxima, o próximo?
Revolta, ainda mais, perceber que a falta de caridade não acontece somente com a terceira idade, nem apenas nos trens e ônibus. Outro dia, em minhas andanças, discutíamos sobre o sistema de cotas nas universidades. É triste ver companheiros de caminhada dizerem que as cotas são injustas com os brancos. Numa sociedade onde houvesse igualdade de condições, eles teriam razão, mas os negros, ainda hoje, são os que menos ocupam os espaços do poder. Basta um dia em uma universidade, centros empresariais, shoppings, igrejas centrais, ou prédios do poder público, para ver qual a cor de pele predominante entre os transeuntes. Em contrapartida, a maior parte da população brasileira é de pardas e pardos, negras e negros. Por que, então, o acesso às oportunidades é inversamente proporcional?
Podemos aplicar a mesma lógica à questão do Bolsa-Família. É público e notório que se trata de uma medida paliativa e assistencialista. Mas o que mais revolta boa parte da população é o fato de que os mais beneficiados são os nordestinos. Ora, o nosso país tem uma dívida tão grande com eles quanto a que ostenta junto aos índios e negros. Até hoje, setores públicos e privados do Brasil e do mundo exploram as riquezas naturais daquele solo, enquanto mantêm o povo local na miséria. Deveríamos reivindicar mais direitos para aquela região, em vez de acusar seu povo de “viver às nossas custas” (é muito comum ouvir isso na região Sul do país).
Há um texto bíblico que mostra Javé descontente com os sacrifícios (Is 1,10-20). São os ritos do Templo. Ou seja, é o reto cumprimento da Lei. Venerada como Vontade de Deus, ela foi instituída para facilitar a convivência e consolidar a identidade do povo israelita. Porém, a elite judaica manipulou os santos mandamentos para submeter o povo à sua vontade. O profeta Isaías denuncia esta prática e anuncia que a Vontade de Deus é que se faça o bem, principalmente ao órfão e à viúva, isto é, aos prejudicados e excluídos da sociedade.
Podemos comparar essa passagem com o que vimos até agora. Também no nosso caso, o simples cumprimento da lei não é o suficiente para garantir vida digna aos órfãos e viúvas dos nossos tempos. Devemos exigir que as autoridades continuem, sim, determinando regras, mas – como diria Paulo, em sua carta aos coríntios – isso de nada servirá se não amarmos nossas/os semelhantes (1Cor 13,1-3). Paulo adverte que o amor não é um sentimento pra ficar curtindo, num mundinho paralelo. Amar é agir. O amor é paciente, mas também não se agrada com a injustiça. Tudo desculpa, mas se regozija com a verdade (1Cor 13,4-7). Precisamos de normas que nos façam lembrar as necessidades de outras pessoas, mas devemos também mudar nossa cultura, cumprindo os mandamentos por amor aos outros, e não por medo de punições.
Bom, mas começamos falando sobre bancos preferenciais. Neste momento, estou no ônibus, sentado na poltrona nº 9. Nada demais, se neste ônibus os dez primeiros assentos não fossem executivos, e o restante comum. Paguei R$ 20,00 a mais para ganhar um copo d’água, um travesseiro e um banco mais reclinável (recurso que, aliás, não estou usando, por dar vazão ao desejo intenso de escrever). São quatro horas e meia de viagem. Eu sempre viajei na ala comum, mas queria saber qual a vantagem de estar aqui. Percebi só uma diferença: os pagantes comuns ficam te olhando com despeito. Por que será que, mesmo num ônibus de viagem, algumas pessoas precisam ter tratamento diferenciado? Estou sinceramente envergonhado por esta experiência, mas foi bom ter passado por ela. Só assim para entender que, enquanto uns e umas quiserem ser mais que outras e outros, precisaremos ter bancos para idosas e idosos, gestantes e pessoas com deficiência, cotas nas universidades e Bolsas-Família.