Os Peregrinos

O caminho não é novo... O novo está em nós, no nosso jeito de caminhar!

BRANCA DE NEVE, LINDA COMO O ÉBANO

E aqui vou eu, mais uma vez mudando meu estilo. Bom... Na verdade, fui desafiado, em meu curso universitário (Letras), a fazer releitura de um clássico infantil. Então bolei algo que denunciasse o racismo. Vejam como ficou...


Releitura de Branca de Neve

Era uma vez, um vale encantado, conhecido por seu rio sinuoso, onde moravam Moacir e sua filha de 15 anos, Larissa. Ele era viúvo e descendia de uma linha de reis africanos. Ela perdeu a mãe muito cedo e se confortava ouvindo histórias de um tempo e um continente distantes. A cor de sua pele os tornava diferentes dos outros moradores da região, todos descendentes de alemães. Entretanto, a inteligência e simpatia faziam de Moacir um homem muito respeitado naquela comunidade. Tudo ia bem até que ele arrumou uma namorada, Marli, loira e muito bonita, mas muito vaidosa.

Quando mais nova, Marli fora eleita a mais bela do vale. Agora que estava novamente em evidência, resolveu fazer um novo concurso de beleza. Larissa ficou muito animada, não tanto pela competição, mas pela oportunidade de estar numa festa. Porém, como a madrasta não se dava muito bem com a enteada, criou uma regra: somente mulheres que tivessem a cor branca poderiam participar. A menina ficou muito triste. Mas suas amigas, inconformadas, bolaram um plano. Inscreveram-na com o nome de Branca de Neve. Assim, ela não poderia ser desclassificada, pois tinha a cor branca, pelo menos no nome. E lá se foi Larissa, desfilar na passarela. Marli ficou com muita raiva, pois, no fundo, temia ser derrotada justo pela filha de seu namorado.

E foi o que aconteceu. Branca de Neve foi aclamada a mais bonita mulher do vale. A megera ficou vermelha de raiva e questionou os jurados: “Vocês não estão vendo que ela é negra?” Ao que eles responderam: “O regulamento não diz nada sobre a pele. Somente que as candidatas deveriam ter a cor branca. E é o que ela tem no nome.” Marli não disse mais nada. Para Moacir, inventou a desculpa de que queria preservar a menina de olhares maldosos. Porém, o que ela desejava mesmo era matar a garota.

A inveja ia corroendo a madrasta. Passados alguns dias, ela contratou um pistoleiro para que matasse Branca de Neve e sumisse com seu corpo. Ele aceitou o serviço, pois não sabia que se tratava de sua amada, Larissa. Quando descobriu, recomendou que ela fugisse e se escondesse, pois sabia que Marli não iria desistir. Antes, porém, pegou o colar de seu pescoço, a fim de apresentar à malvada como prova da execução do crime. A menina não tinha onde se esconder. Ficou perambulando pela mata, até encontrar uma casa onde moravam sete irmãos. Eles trabalhavam na roça, o dia inteirinho. Por isso, a casa vivia bagunçada. Então resolveram acolhê-la, desde que lavasse, passasse e cozinhasse para eles. E assim viveram por longos anos.

As coisas começaram a mudar no vale quando Moacir, que fizera de tudo para encontrar sua filha, foi entristecendo até morrer. Única herdeira, Marli tornou-se a mulher mais popular da região. E tornou-se também a mais rica, aumentando sua fortuna com uma empresa de eventos. Os mais apreciados eram os concursos de beleza. Mas ela sempre dizia que eram para escolher a segunda mulher mais bonita das redondezas (a primeira, obviamente, era ela). Como não havia mais negros, as pessoas foram esquecendo como era viver com o diferente. A contínua promoção de disputas e competições tornou o povo mesquinho. Mesmo as amigas de Larissa começaram a aceitar em seu grupo somente aquelas que se vestiam igual a elas, ou então tivessem olhos tão clarinhos quanto os seus. O povoado do Vale do Rio Sinuoso, tão conhecido pela acolhida, passou a não fazer mais jus a sua fama.

Um belo dia, sentindo saudade do pai, Larissa se disfarçou de camponesa e foi ao povoado, ver se o encontrava. Perguntou sobre o bom Moacir aos que passavam, mas ninguém lhe deu atenção. Estranhou a frieza do povo. Então encontrou um menino de rua e este lhe contou como tudo se transformara com o sumiço da menina negra e a morte de seu pai. Ela soltou um grito, sendo reconhecida pelo menino. Saiu correndo, desesperada, chorando. Nunca mais veria seu paizinho querido. Ficou três dias sem comer e sem fazer o serviço de casa. Os sete irmãos tentaram animá-la, mas ela não saía de seu quarto. Enquanto isso, Marli ficou sabendo que sua enteada estava viva. E o pior... Outras pessoas também sabiam. Era necessário tomar providências.

A malvada contratou homens acostumados com a mata para localizar Larissa. Logo a encontraram na casa dos sete irmãos. A madrasta decidiu fazer ela mesma o serviço. Disfarçou-se de anciã e dirigiu-se, escondida, à mata. Do lado de fora da casa, gritou que conhecia Moacir. A menina abriu a porta mais do que depressa. Foram conversando, Marli foi elogiando a beleza da moça, fazendo de tudo até ganhar sua confiança. De repente, puxou um pedaço de pau e bateu na cabeça dela, que caiu desacordada. Ouvindo passos, a vilã saiu correndo. Eram os sete irmãos que, felizmente, voltavam mais cedo para casa. Levou um tempo para que a garota acordasse. A madrasta voltou para casa, sem ter certeza de ter matado a jovem. Porém, assim pensava, só o susto já deveria ser o suficiente para mantê-la longe do vilarejo.

Mas Larissa ficou revoltada. Essa mulher tinha destruído sua vida, matado seu pai de desgosto e transformado o vale em um lugar frio e triste. Como sentia que não tinha mais nada a perder, resolveu acabar com isso. Voltando à vila, soube que um concurso se aproximava. Procurou conhecer as regras (agora era proibida a participação de mulheres negras) e bolou um plano. Pintou sua pele de branco, ficando bem mais alva do que as próprias habitantes da região. Mudou seu nome para Alice e se inscreveu no evento. Quando a viu na passarela, Marli a reconheceu. Mas não podia revelar sua identidade porque temia o escândalo. O tempo foi passando, e a vilã pensava em como se livrar do problema. Então começou a chover. A tinta escorria da pele de Larissa. Alguém gritou: “Vejam... É Branca de Neve!” O povo se alvoroçou, mas, antes que alguém pudesse falar alguma coisa, a madrasta pulou em cima dela, tentando sufocá-la.

Foi quando apareceram os sete irmãos, que na verdade eram sete ex-maridos da malvada. Ela havia acabado com a vida de todos. Os mais velhos foram reconhecendo os sete homens. Todos eles eram pessoas influentes do passado do vale. Até então, ninguém entendera por que eles haviam sumido. Mas as pessoas, lentamente, foram relembrando os fatos. Essa mulher havia destruído a família e a vida de todos eles. Furioso, o povo colocou Marli para correr, e uma guarda foi montada no vale, a fim de manter a vilã sempre longe, e também de descobrir quem eram seus ajudantes.

E a história está prestes a terminar, mas parece que falta alguma coisa... Ah, sim! Não tendo mais que se esconder, e linda (e rica) como era, Larissa foi procurada por vários pretendentes. Agora, ela possuía sete pais. Conforme eles foram refazendo sua vida, ela foi adquirindo também novas mães (mas todas eram muito boas). Nenhum dos rapazes, porém, chamava a atenção dela. Até que apareceu um lindo moço, cujo olhar não lhe era estranho. Ele puxou um saquinho de joias e mostrou-lhe algo que fez seu coração acelerar. Era o colar que ela ganhara de herança de sua mãe, o mesmo que o pistoleiro levou como suposta prova de sua morte. Ela, então, reconheceu o rapaz, e ele declarou seu amor. Disse que não conseguia se desfazer do colar, que pensava nela todos os dias, e que nunca mais havia matado alguém, ou usado uma arma, depois daquele encontro. Então, ela pegou sua mão e sorriu. Sabia que não era branca como a neve, mas isso não importava, porque Moacir (por uma dessas coincidências da vida, este era também o nome do rapaz) disse-lhe que era linda como o ébano. E aí, enfim, todas e todos viveram felizes para sempre. FIM.

ECOLOGIA SE APRENDE EM CASA

Mesmo negando a necessidade de Deus, a sociedade atual não conseguiu se livrar de suas culpas e do peso do pecado. Catástrofes como a do Rio de Janeiro e a do Japão tornaram inevitável o seguinte questionamento: estaria o Deus (que esta mesma sociedade declarou não existir) zangado? É natural esta indagação, uma vez que já nos primeiros capítulos da Bíblia vemos a queda como consequência da desobediência. Por outro lado, principalmente nos Evangelhos, vemos um Pai que acolhe, perdoa, restaura, “esquece” a ingratidão do filho pródigo num abraço... Poderia este Ser, que passou de punitivo a amoroso, voltar a ser vingativo conosco hoje?


Não que o senso comum esteja sempre certo, mas numa coisa ele tem razão: o que move o mundo não são as respostas, mas as perguntas. Mesmo com tantos avanços científicos em nossos dias, temos inúmeras questões existenciais. De onde viemos, para onde vamos, o que devemos fazer no breve intervalo entre uma coisa e outra? O que dizer, então, do povo há quase 3000 anos? Por que o parto, início de uma nova vida, causa tanta dor? E o trabalho, fonte do nosso sustento, por que exige tantos sacrifícios? Os primeiros capítulos de Gênesis procuram responder a essas e outras dúvidas, não demonstrando como surgiram os dilemas, mas o porquê.

Salvo interpretações mais conservadoras, hoje já sabemos que os contos bíblicos não são necessariamente fatos históricos. Como explicar, por exemplo, que em Gn 6,19 entrou um casal de cada espécie na Arca de Noé, enquanto Gn 7,2 conta sete casais de animais puros? Antes da criação, tudo estava tomado pelas águas (Gn 1,1) ou era deserto (Gn 2,4b)? Essas e outras perguntas geram sérios problemas para leituras “ao-pé-da-letra” (fundamentalistas). Por isso, a preocupação atual não é tanto saber o que aconteceu, mas o que Deus quer nos falar e, por outro lado, de que forma as autoras e autores bíblicos entenderam e retransmitiram esta mensagem.

Este novo modo de olhar nos leva a rever algumas “verdades” bíblicas. A primeira delas é a afirmação de que Deus era punidor, tornou-se Pai amoroso e voltou a ser vingativo nos dias atuais. Como pode um Ser, que já é perfeito, evoluir ou mudar? Talvez seja o nosso olhar que mude. Isso explicaria como o Javé dos Exércitos, guerreiro à frente das batalhas dos israelitas, tornou-se o Paizinho Querido de Jesus. Portanto, crer num Deus vingativo, hoje, seria um retrocesso, um descaso com os ensinamentos de Cristo.

Na época em que foi redigido o relato do Pecado Original (Gn 3,1-19), o povo tinha, de fato, uma visão diferente do Sagrado. Por volta do século VIII a.C., sob o reinado de Salomão, acreditava-se que Javé era autor tanto do bem quanto do mal. A ideia de um ou mais espíritos malignos surgiu tempos depois, no período do pós-Exílio babilônico. Para os israelitas, Deus era bom, mas também justo. Logo, as dores de parto e a fadiga do trabalho, vistas como “mal necessário”, só podiam ser consequência de culpa humana. E como os líderes religiosos não nutriam muita simpatia pelas esposas estrangeiras de Salomão (e não eram loucos de criticar abertamente o rei), por que não criar um mito usando a serpente (símbolo dos deuses estrangeiros), que seduz a mulher (esposas), que seduz o marido (Salomão)? A severidade do castigo é, então, justificada pelo pecado grave da idolatria, isto é, da adoração a outros deuses. Ainda hoje, há quem considere justo isso. Mas não é esta a imagem do divino retratada pelos evangelhos.

Vamos encontrar, em Jo 20,1-18, uma recriação do Éden. Durante a madrugada, Madalena vai ver o Mestre sepultado, mas encontra o túmulo vazio. Pedro e o outro discípulo encontram a mesma cena. Porém, enquanto estes voltam para suas casas, a mulher continua a procura. Olhando, então, para o lado oposto ao do sepulcro (qual o lado oposto ao da morte, senão o da vida?), encontra um jardineiro. Se Eva inicia um processo de afastamento e esquecimento de Deus, Maria Madalena faz o caminho inverso. Primeiro ela vê apenas o Zelador do Jardim, como se estivesse olhando para alguém distante. Depois, como se chegasse mais perto, ela re-conhece o Criador (afinal, quem vê Jesus, vê o Pai). A partir dessa experiência com o divino, ela não sente mais medo (já não é mais de madrugada) e sai a recriar o mundo, isto é, vai correndo anunciar: “Eu vi o Cristo”.

Curioso que os Apóstolos não tenham dado crédito a esta mulher. Os homens passaram anos (alguns fazem isso até hoje) acusando as mulheres de serem perigosas, sedutoras, porta de entrada do pecado. Mas conseguiram bravamente resistir à sedução quando estas portavam a Boa Nova. Foi necessário o próprio Cristo ressuscitado aparecer entre eles para que agissem. Sim, porque a verdadeira experiência de Deus nos leva a agir. O discípulo amado acreditou, ao ver o túmulo vazio, mas limitou-se a seguir Pedro. Criticamos o Apóstolo incrédulo, mas somos todas e todos meio “São Tomé”.

Está na moda falar em Ecologia. Pensar a criação é pensar ecologicamente. O ser humano é convidado a contemplar o rosto de Deus em suas criaturas, tendo a responsabilidade de zelar pela saúde do nosso planeta. Ações simples, como não jogar papel de bala no chão, ajudam a preservar o meio ambiente. Reciclar, reaproveitar e reutilizar são as palavras de ordem. É preciso mudar de uma relação de exploração para uma postura de cuidado mesmo com a Mãe-Terra. Infelizmente, muitas medidas são tomadas somente quando a situação já está crítica. Por isso, na maioria das vezes, só resta remediar. Mas, então, o que fazer para mudar esse quadro? Comecemos olhando para os lados. A forma como tratamos as outras pessoas reflete que tipo de relação temos com o restante da natureza.

“Quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4,20). Ora, é impossível amar o Criador e não amar sua Obra. Amar é conhecer. Há quem pense que a natureza se resume a animais, rios e florestas. Homens e mulheres, porém, são o ápice da criação (Gn 1,27). Se os homens, desde há muito tempo, subjugam as mulheres, o que podemos esperar que façam com o planeta? Se os brancos escravizam índios e negros, não é de se estranhar que coloquem animais em gaiolas. Se os adultos menosprezam a capacidade produtiva e intelectual de jovens e idosos, o que podemos esperar que aprendam com os astros? Se as pessoas guerreiam por causa de sua religião, como esperar que respeitem animais, plantas, rios e até mesmo o ar que respiram? Se os ricos assim se fizeram explorando os pobres, por que não veriam a natureza como uma grande oportunidade de negócio? Quando o planeta, doente, reage, ficamos assustadas e assustados, e dizemos que é a “ira divina”. Mas a verdade é que, se queremos um novo Céu e uma nova Terra, devemos começar por novas relações interpessoais, baseadas não mais na exploração, mas no amor.